sábado, 24 de dezembro de 2011

PETER PAN VISTO POR RETINAS INFANTIS


Próximo à época de Natal, Gabriel foi acompanhar o pai, médico, até um abrigo de crianças carentes em que prestava atendimento voluntário nos fins de semana. Sem ter com quem deixar o menino, levou-o pela primeira vez à instituição.

Gabriel, que era filho único, se encantou com a ideia de um grupo de crianças que vive numa mesma casa, como se fossem irmãos, e que podem ter a companhia umas das outras por todos os dias e momentos. Lembrou da história do Peter Pan que o pai contou algumas vezes e do seu grupo de "meninos perdidos" que se aventuravam para lutar por tudo que acreditavam. Gabriel nunca entendeu muito bem o porquê da expressão "meninos perdidos", afinal, o que fazia deles um grupo era justamente o fato de terem se encontrado.

Assim que entrou no lugar, de mãos dadas com o pai e ansioso por conhecer a casa dos "meninos encontrados", Gabriel viu um grupo deles (seis, quatro meninos e duas meninas), correndo e se escondendo numa brincadeira que ele não conhecia. Tinham mais ou menos a sua altura e Gabriel deduziu, por isso, que talvez tivessem sete anos de idade, assim como ele. Eles riam uns dos outros e tinham os pés e mãos sujos de barro. Teve a certeza naquele momento que os garotos eram encantados, como os da história do Peter Pan, e que estavam treinando para suas próximas aventuras. Arregalou os olhos e ficou com medo, mas sabia que nunca poderia pertencer àquele grupo que corria, pulava e lutava contra grandes inimigos. Sua vida era tão diferente naquele apartamento apertado, tinha de cumprir horários e responsabilidades: aulas de natação, de inglês, escola, dever de casa. A diversão era um hora e meia de videogame por dia, logo antes do horário de dormir (isso se tivesse terminado já o dever de casa). Não nascera encantado como aqueles meninos descalços.

Na volta para a casa o pai viu Gabriel estranhamente calado e cabisbaixo. Deduziu que obviamente ele estivesse impressionado com a realidade daqueles meninos sem mães e pais, largados no mundo e com histórias de vida tão complicadas de lidar. O pai estava certo, Gabriel estava tão impressionado que pensava que, uma vez que os "meninos perdidos" existem, talvez Peter Pan também pudesse existir e entrar na sua janela para convidá-lo a ser um deles.

*Pensando em falar sobre o Natal, busquei o olhar de uma criança. A pureza de sentimentos que essas pequenas criaturas têm talvez revele que, quando se leva em conta a cronologia, estiveram mais perto de Deus do que de nós, adultos.








sábado, 17 de dezembro de 2011

PONTAPÉ

"O sonho encheu a noite
Extravasou pro meu dia
Encheu minha vida
E é dele que eu vou viver
Porque sonho não morre."

Adélia Prado.


Na minha adolescência, escrever foi fundamental para que eu entendesse o turbilhão de sentimentos embutidos em hormônios que eu até então desconhecia. Foi nessa época que tive a primeira percepção de que cada escritor construía com suas palavras, suas concordâncias e seus pormenores, o seu próprio mundo. Lê-los era como reviver os filmes da minha infância que me faziam ver mundos paralelos, personagens mágicos e acontecimentos fantásticos. A diferença é que, naquele momento, essas realidades começaram a se traduzir em palavras. Clarice Lispector, Lygia Fagundes Telles e Rubem Fonseca (meu preferido), me apresentaram nuances infinitas para relacionamentos amorosos, despedidas, ódio, assassinatos, incompreensões e desencontros. Através dos "olhos" desses artistas comecei a moldar o meu próprio mundo fantástico.

A minha busca então partiu para a construção dessa minha visão particular, do meu universo paralelo. Para mostrar a minha própria ótica, escrevi meu primeiro texto e percebi a minha dificuldade de chegar em duas ou três laudas de enredo. Era a minha veia de redação publicitária, sucinta, fragmentada e puxada a uma expressividade excessiva já se fazendo realidade - ponto que fui descobrir só mais tarde, prestes a me inscrever para o vestibular para publicidade. Em 2003, os blogs no Brasil eram uma febre. Criei três deles, um com um grupo de amigos de colégio e outros dois pessoais. Um mundo paralelo só não era suficiente porque em mim muitos alter-egos começaram a querer voz, ansiavam por se mostrarem nas palavras.

Quando a adolescência passou, já por volta dos 18 anos de idade, fui viver esses mundos paralelos de fato e escrever ficou totalmente em segundo plano, adormecido em algum lugar em mim. A válvula de escape então se direcionou para a fotografia, que foi meu hobby de faculdade e hoje em dia é uma das minhas grandes paixões.

Mas como nada é insubstituível porque tudo que existe teima em ter aspectos únicos, por mais imperceptíveis que sejam, percebi que quanto mais multiplicidade de expressões eu detivesse, mais completo seria meu universo paralelo. É impossível abandonar a escrita pela fotografia pois ambas são expressões únicas desse universo. E agora quero todas elas, em grandes dosagens, transbordando em minha vida.

Dado o pontapé inicial para essa multiplicidade de expressões, aqui é o lugar de deixar livre a ótica, o assunto, o meio e qualquer outra categoria. Afinal, tudo é digno de comentário quando não passa desapercebido ao nosso olhar.